segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Entrevista com Paulo Fanha

Retomando tempos anteriores, voltamos a efectuar entrevistas com personalidades do xadrez luso. O nosso próximo convidado é Paulo Fanha, um dos amantes da modalidade e um dos grandes animadores do nosso xadrez nos últimos meses.


Chess is Life (CL): A primeira pergunta que te faço é de cariz mais pessoal. Quem é o Paulo Fanha, os seus sonhos, as suas motivações, etc? Não é todos os dias que vemos alguém a abandonar o país por causa do xadrez. Como te definirias enquanto pessoa?

Paulo Fanha (PF): Sinceramente, não te posso responder de forma cabal quem é o Paulo Fanha. Por uma razão simples: eu próprio não sei! E porquê? Esquecidas as “certezas” da juventude, dou comigo a descobrir em mim facetas que eu próprio desconhecia.

A minha história pessoal acaba por estar intimamente ligada à história recente do país. Se por um lado, a descolonização provocou a minha vinda para a Metrópole (eu que nasci na Província Ultramarina de Moçambique), por outro lado, a crise económico-financeira, acentuada desde 2011, forçou a minha saída para o Estrangeiro. Os sonhos e os planos para os atingir, foram sistematicamente destruídos por factores exteriores à minha acção. Até que já não havia mais sonhos…

Como é do conhecimento comum, eu era professor de Ciências Físico-Químicas. Era o que eu gostava de fazer. E penso que o fazia bem... Os meus ex-alunos, mais isentos na sua avaliação, serão com certeza melhores juízes sobre isso. O problema é que já tinha tantos problemas fora da sala de aula (desde o aumento do número de horas de trabalho, não apenas não remuneradas, mas ainda cortado no vencimento), que o meu grau de satisfação atingiu valores mínimos. Perante a perspectiva de deixar de ser tão bom no que fazia e vendo o tempo a passar por mim (45 anos, sem família e de todo insatisfeito), tinha que tomar uma decisão.

Primeiro pensei montar o meu próprio negócio em Portugal. Depois, fiz as contas e tive um choque com a realidade: nenhum empreendimento de baixo custo e legal poderia ser lucrativo nesta conjuntura. Eu sou um profissional qualificado em áreas tão diversas quanto as Ciências Puras, a Matemática, a Gestão e falando 6 línguas. Certamente que poderia ser valorizado qualquer outra parte do mundo. E felizmente, tive razão!

A minha primeira ideia era ir para Inglaterra. Um bom domínio de Língua e algum conhecimento do mercado eram pontos fortes. Depois, conheci a Ekaterina, agora minha esposa, russa, que me pretendia trazer para paragens mais frescas. O que eu vi como uma oportunidade de fazer evoluir o meu xadrez! Não foi pelo xadrez que saí de Portugal (a decisão de sair estava tomada); mas também foi pelo xadrez que vim para Moscovo.

Agora tenho apenas pequenos sonhos. No plano pessoal, constituir família e alcançar a estabilidade financeira que me foi retirada em Portugal. No plano desportivo, acredito que ainda só comecei a subir. Mas sobre isso falarei mais adiante!

Enquanto pessoa, creio que endureci um pouco nos últimos anos. Não que eu me considere má pessoa! Sinto, contudo, que perdi alguma da minha ingenuidade e tenho-me tornado extremamente pragmático. As coisas são como são e é dentro dessas balizas que tenho que viver o melhor que puder e souber. Já não tenho as ilusões de que possa mudar o mundo e, portanto, mudo eu para melhor me adaptar ao mundo.

CL: Como entra o Paulo Fanha no xadrez e se pudesses dividir a tua vida na modalidade em 3, 4 etapas, como o farias?

PF: 1- Até 2005, empurrava umas peças.

2- Até 2014 acumulei o empurrar de peças com outras funções (ensino, treino, árbitro, dirigente, coordenador nacional do xadrez escolar, etc.)

3- Em 2015 tomei a decisão de me “tornar jogador”. Trabalho desde Janeiro com um Grande Mestre que é um Treinador FIDE Sénior, ensino xadrez em algumas escolas de Moscovo e defini objectivos ambiciosos ao nível desportivo. Dos primeiros três, só não alcancei um. Não consegui ser Campeão Europeu Amador (quedei-me por Vice Campeão) , mas alcancei o título de Candidate Master e venci o meu primeiro torneio em Moscovo. Mais à frente, falarei sobre os meus próximos objectivos. Naturalmente muito mais ambiciosos.

CL: Pelo que sei (e corrige-me se estiver enganado), já tiveste várias funções no xadrez (dirigente, treinador e jogador). Podes-nos historiar um pouco o que já fizeste no xadrez e onde?

PF: Como dirigente, as minhas incursões foram breves. Mas algumas relevantes:

1- Fundei o Brandoa United, um clube exclusivamente de xadrez, que mais não era do que um clube onde jogavam os meus alunos das escolas da Brandoa. Na escola, recebi uma “reprimenda” porque o Desporto Escolar não estava vocacionado para a prática federada. E o clube acabou! No ano seguinte, o Desporto Escolar teve a ideia “inovadora” de promover a prática federada…

2- Criei o Centro de Referência/Escola de Excelência (as designações variavam de acordo com os devaneios da Tutela) de Xadrez da Brandoa.
3- Desempenhei interinamente (não eleito) as funções de Vogal na Associação de Xadrez de Lisboa, sob a Presidência da Maria Armanda Plácido, juntamente com o Luís Alves e a Catarina Leite.

4- Fui o primeiro Coordenador Nacional do Xadrez Escolar e quem criou e implementou o primeiro quadro competitivo nacional do Xadrez Escolar em 2009. Numa perspectiva de continuidade, já tinha alinhavado a participação de uma equipa portuguesa (com financiamento privado assegurado - sem custos para o erário público, portanto) no Campeonato Europeu Escolar. Fui então informado pelo Desporto Escolar que, por sugestão da Direcção da FPX de então (presidida pelo Dr. António Bravo), eu seria substituído nas minhas funções. E assim foi.

5- Treinei e ensinei xadrez durante uma década na Brandoa.

6- Fui secretário do Conselho de Disciplina da FPX.

E certamente que me terei esquecido de mencionar algumas outras das funções que desempenhei…

CL: Obviamente que a pergunta do momento impõe-se. Quais foram as motivações que te levaram a abandonar o país e ir para a Rússia jogar xadrez? E mais importante, como está a correr essa aventura?
Quais são os teus objectivos imediatos e futuros com esta decisão que tomaste?

PF: Seguindo os conselhos do primeiro-ministro, abandonei a minha “zona de conforto” e vi nisso uma “oportunidade” para mudar de vida. Na verdade, eu sentia-me mais a vegetar do que a viver. Tomar esta decisão teve tanto de brutal (abandonar amigos, amigas, família e um país que adoro), como de providencial. Rejuvenesci e readquiri “ganas” que há muito não tinha.

Tudo em Moscovo é fascinantemente estranho. Os dias são estranhos. Ou tenho noite o dia todo (lá para Dezembro), ou tenho luz o dia todo (lá para Junho). A forma como as pessoas se relacionam também me é estranha. A cultura, primeiro estranha-se, mas depois entranha-se! A cidade é bonita. E as moças também!

A cultura de xadrez é impressionante. Qualquer idoso a jogar num jardim demonstra conceitos de jogo. As provas têm um nível como eu nunca tinha visto. Perder com dois putos com idade para serem meus netos numa semana (em 2014), foi um bom incentivo para melhorar! Não tenho dúvidas que vir para Moscovo foi a melhor decisão que tomei a favor do meu xadrez. Evoluo aqui em meses o que não consegui evoluir em Portugal durante anos.

Neste momento, tenho dois objectivos de curto prazo e um de médio prazo:

1- Vencer o Campeonato do Mundo Amador, sagrando-me com isso Mestre FIDE (já em Abril próximo).

2- Qualificar-me para a Fase Final do Campeonato Nacional Absoluto (em Julho).

3- Estar em condições de poder representar Portugal nos Jogos Olímpicos de Inverno em 2018 (Pyongyang).

CL: Consegues-nos descrever um dia a dia típico nesta tua nova vida?

PF: Tipicamente, acordo de manhã, faço o que toda a gente faz e preparo as minhas aulas no computador. Aqui ensino Xadrez, Matemática e Ciências. Vou para as escolas e almoço por lá. Isto implica apanhar transportes públicos (confortáveis e baratos comparativamente a Lisboa) e andar pelo menos meia hora na ida e outro tanto na vinda. O que se faz muito bem quando a neve e o gelo assim o permitem.
O gelo provoca-me grande desconforto, porque este pessoal desliza graciosamente sobre ele. Eu tenho que me esfoçar para não ir ao solo.
Ao fim da tarde, regresso a casa. Vejo filmes ou séries no tuga.io na companhia da Kátia. Na RTP Internacional só dá para ver telejornais, bem como na TVI. Tudo o resto, está bloqueado desde Portugal…

Mas posso ver os jogos do Benfica em casa em HD (pay-per-view da BTV - que eu não sou Inácio); os outros vejo no portátil, uma vez que nenhuma das operadoras que transmitem a Sport Tv me apresentou nenhuma proposta razoável.

Uma vez por semana, tenho uma aula de duas horas online com o meu treinador. Até agora, só podia jogar xadrez ao fim de semana. Agora abriram (mais) um clube perto de mim.

CL: O que achas do desempenho da FPX?

PF: No meu tempo de vida, nunca vi uma Direcção da FPX que não fosse contestada. Com maiores ou menores razões. Pessoalmente, não tenho motivos objectivos de queixa sobre esta em particular. É uma coisa muito portuguesa criticar sem apresentar alternativas concretas. Creio que lidaram muito bem com a salganhada que resultou de todas aquelas “primeiras divisões” que havia e não creio que as situações pontuais em que discordei sejam suficientes para não considerara sua acção como globalmente positiva. Parece-me difícil exigir mais a uma estrutura não profissionalizada. Eu próprio já senti na pele a acção da crítica sem intenções construtivas, pelo que não vejo razões para me perfilar entre os que se manifestam contra esta Direcção.

Claro que ouvi histórias, que até admito que possam ser verdadeiras, que poderiam (ou deveriam) ter sido resolvidas de outra maneira. Mas o erro é humano e todos os comentemos. E é impossível tomar decisões sem desagradar a alguém.

De qualquer modo, as eleições para a FPX são democráticas. E se houver mesmo tanta gente que pense poder fazer melhor, terão sempre a possibilidade de apresentar as suas propostas, apresentar alternativas e, se o sufrágio lhe for favorável, fazê-las cumprir.

Qualquer que venha a ser a Direcção eleita para o próximo mandato, espero que possa desempenhar as suas funções com a colaboração positiva de todos. Somos demasiadamente poucos para perdermos tempo e energia com guerras de capelinhas. Espero que se discuta mais as acções e menos as pessoas. A instituição FPX tem que estar acima de interesses pessoais.

CL: Acreditas que podes chegar a titulado (mínimo 2300)?

PF: Não tenho dúvidas sobre isso! Idealmente, poderei ser Mestre FIDE já em Abril. Acredito ainda que atingirei os 2300 antes do final de 2017 e, entretanto, admito a possibilidade de poder lutar por normas de Mestre Internacional. Se me perguntares lá mais para o meio do próximo ano, talvez eu possa redefinir estes meus objectivos em alta.


Perguntas rápidas

Melhor amigo do xadrez: Ângelo Almeida. Um ex-aluno meu que é para mim muito mais do que isso.

História engraçada do xadrez:

Há alguns anos atrás, eu ia defrontar uma adversária teoricamente mais forte que eu não conhecia. Aparece-me uma curvilínea mulher, lindíssima, que me deve ter provocado algum involuntário espanto. Ciente disso, e enquanto me cumprimenta com o protocolar aperto de mão, diz-me que “Se não me comeres as peças, também não me comes mais nada”. Fiquei silenciosamente furioso, enquanto me sentia a enrubescer!

Agora era uma questão de honra, de vida ou de morte. Eu morreria no tabuleiro se tivesse que ser, mas a vitória tinha que ser minha! Joguei melhor, venci e, enquanto a cumprimentava com o aperto de mão final, não resisti a indagar “As peças já te comi… E agora o resto?”.

Moral da história: Se não lhe comer as peças, não lhe como mais nada; mesmo que não lhe coma mais nada, pelo menos que lhe coma as peças…

Melhor vitória: mais pelo emocional que pelo factual, Fanha x Velioniskis, (Kaunas, 2015). Com alguma nota artística, este foi o jogo onde, durante minutos, ainda fui Campeão Europeu Amador. Depois, os jogos dos meus adversários anteriores viraram a meu desfavor.

Pior derrota: talvez há 26 anos atrás. Perdi com o Afonso Rodrigues num Campeonato Distrital de Jovens e, com isso, nunca me apurei para a Final de um Campeonato Nacional Jovem.

Melhores torneios: Kaunas, 2015 (pelo título), Porto Carras, 2015 (pelo ambiente). Em Portugal, adorava o extinto Damiano de Odemira..

Obrigado Paulo, pela entrevista e votos de muitos sucessos!


Paulo Fanha num torneio oficial em 2012

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